O mês dos restinhos
Estamos em um ano bissexto. Percebi isso como quem percebe o aniversário de algum famoso obscuro naquelas homenagens feitas pela barra de busca do Google. Aconteceu enquanto vasculhava o calendário, no começo de janeiro, em busca de confirmar o real início do ano (depois do Carnaval) e lá estava ele, o 29. Em seguida, tentei pescar na memória o básico do conhecimento escolar sobre os anos bissextos, mas nada veio claro e recorri, mais uma vez, à barra de busca do Google.
Poupando o leitor de detalhes, o ano bissexto é o que se pode chamar de ano de restinhos. O movimento da Terra em torno do Sol não leva - exatamente - 365 dias. Sempre sobra um pouco. Para compensar, se soma de 4 em 4 anos esses acréscimos (para dar um dia exato, já que o restinho é algo em torno das 6 horas) e tcharam: temos o ano bissexto.
Se o ano bissexto é um ano de restinhos, fevereiro é o mês dos restinhos. E nada mais brasileiro do que encerrar o mês do Carnaval com uma data remendada pelas sobras.
Nessa época do ano se vive e convive com os restos: de bebida, de cidade, de energia vital para sustentar horas debaixo do sol comprimida por centenas corpos. Ao passo que as escolas de samba do grupo especial desfilam na Sapucaí com carros alegóricos e figurinos impecáveis, frequentemente se esbarra com foliões bêbados vestidos dos mesmos restos dessas fantasias, que muitas vezes são largadas pela rua ao fim do evento. Para que a operação excesso exista é inevitável a sobra e, para que haja festa, é preciso haver resto.
Para a psicanálise, a função do resto na sociedade é “canalizar" o abjeto e suas respectivas aparições, seja no corpo, seja no espaço. Fazer das tripas, coração. E para além dos restos materiais, nosso corpo é território de resquícios e mais resquícios de sensações, lugares e relações passadas.
O Carnaval é um grande disparador de passados.
Esquinas visitadas em outros momentos, com outras companhias, lugares em que se já foi outra pessoa. Amores de outros Carnavais.
Assim como o ano bissexto, o Carnaval parece deixar sempre a sobra de alguma coisa que jamais é completamente encerrada e por isso seguimos, de tempos em tempos, somando esses restinhos na esperança de recomeçar a folia.